Resistência com Sniper: tiro
n’água ou falta de treinamento?

Janeiro 11, 2023

Felipe Salas de Lima

A pandemia da COVID-19 definitivamente alterou
a forma como interagimos com a tecnologia. Diversas
ferramentas em estágio inicial de testes foram aceleradas
e implementadas para possibilitar a proximidade
digital em um mundo necessariamente isolado.
Seguindo essa necessidade, o Conselho nacional
de Justiça (CnJ) implementou diversas ferramentas
em 2021 e 2022 visando possibilitar a utilização da
tecnologia da informação como aliada ao processo
judicial e satisfação da Execução, cunhando o termo
“Programa Justiça 4.0” para as novas medidas.
Destaca-se: a criação dos núcleos de Justiça 4.0 que
permitem o funcionamento remoto das varas 100%
digitais, proporcionando maior agilidade e efetividade à
justiça; a implementação do Sistema SISBAJUD, substituindo
o BACEnJUD, com novas ferramentas como o bloqueio
reiterado (“teimosinha”); e, por fim, o SnIPER – Sistema
nacional de Investigação Patrimonial e Recuperação de
Ativos. O SnIPER, teoricamente implementado em agosto
de 2022 pelo CnJ, surge como a proposta de modernização
e integração de todos os sistemas de penhora e busca de
ativos, permitindo a localização de bens de devedores e,
principalmente, a localização de vínculos patrimoniais e
societários entre pessoas físicas e jurídicas.
Chama a atenção que o acrônimo formado pelas
iniciais do novo sistema (“SnIPER”), tem o seu
equivalente na língua inglesa, que pode ser traduzida
por “franco-atirador”, que são indivíduos conhecidos
pela sua habilidade em desferir tiros certeiros (e
fatais) à longa distância. A simbologia do nome
mostra que o CnJ pretendeu, com a nova ferramenta,
dar um tiro certeiro e mortal na prática bastante
comum de ocultação de bens para fugir ao princípio
da responsabilidade patrimonial.
A letalidade do novo sistema seria assegurada pela
utilização de inteligência artificial, de forma a obter o
cruzamento de dados de diferentes bases e sistemas,
possibilitando identificar relações entre pessoas físicas,
sócios e pessoas jurídicas, de modo a viabilizar o reconhecimento
de grupo econômico e a desconsideração
da personalidade jurídica dos devedores. no entanto,
apesar do amplo anúncio do novo sistema e da integração
de, até aqui, pelo menos 86 tribunais de Justiça , o que
se observa, na prática, é uma silenciosa resistência de
juízes e servidores na utilização da ferramenta.
Passados vários meses da sua propalada disponibilização
ao público, várias são as justificativas
dadas para o indeferimento de pedidos de uso da
nova ferramenta. As mais comuns são as seguintes:
(a) os juízos ainda não possuem acesso ao SnIPER;
(b) a ferramenta ainda está em fase de implementação;
e, (c) o escopo da ferramenta já pode ser alcançado
pelos outros sistemas individuais disponíveis,
como o SISBAJUD, InFOJUD e REnAJUD.
Ocorre que, pelos dados fornecidos pelo CnJ, os
mesmos tribunais que vem negando o uso do SnIPER
já estão integrados ao “Programa da Justiça 4.0” e,
portanto, possuem a disponibilidade para a utilização

da ferramenta. O que se percebe, na verdade, é a resistência
na utilização do novo sistema por parte dos
julgadores e auxiliares, que tanto pode ser entendida
pela falta de treinamento adequado para a sua utilização,
como pela reconhecida má vontade de usuários
de tecnologia em lidar com inovações (o que também
é, em última ratio, falta de treinamento adequado).
Ora, a integração dos tribunais de Justiça ao “Programa
Justiça 4.0” deveria ser, mais do que uma ação de marketing,
uma ação efetiva e concreta, o que significa a capacitação
obrigatória dos profissionais do Poder Judiciário,
quando é sabido que, na verdade, não existe a obrigatoriedade
do treinamento para a utilização das ferramentas,
o que prejudica bastante a adesão dos usuários, responsáveis
por colocar em prática as inovações. Chama a
atenção que o único curso desenvolvido até o presente
momento pelo Conselho nacional de Justiça – CnJ (e já
encerrado) para a utilização do SnIPER não foi obrigatório,
de sorte que grande parte dos profissionais do Poder Judiciário
e dos magistrados nem sequer possui, atualmente,
o conhecimento necessário para a utilização da ferramenta
ou de toda a sua aplicabilidade, o que explica, em boa
medida, a resistência ao seu uso.
neste sentido, vale pontuar que as decisões de indeferimento
da utilização da ferramenta demonstram
preocupante falta de preparo por parte de quem
deveria lhe conferir efetividade, ainda mais quando se
verifica que o SnIPER, da forma que foi concebido e
apresentado pelo CnJ, é uma ferramenta muito superior
aos sistemas já conhecidos, que são utilizados isoladamente,
e já se encontra implementado em pelo menos
89% dos tribunais nacionais. Conclui-se, portanto, que
as novas ferramentas previstas pela “Justiça 4.0” possuem
verdadeiro potencial para aumentar significativamente
a recuperação de crédito nas Execuções, além de reduzir
o tempo de tramitação de processos dessa natureza, contribuindo
para uma Justiça mais célere e efetiva; porém,
ainda não é uma realidade no Judiciário, por esbarrar na
falta de treinamento dos profissionais responsáveis pela
sua utilização, que, por a desconhecerem, apresentam os
mais variados pretextos para não utiliza-la.
Os próximos meses serão decisivos para saber se
as plataformas lançadas serão de fato uma inovação
que favorecerá a quem busca a solução do seu litígio
no Judiciário, ou se, em razão da falta de treinamento
(e de interesse) dos juízes e assessores responsáveis
por utilizá-la, terão curta durabilidade em detrimento
dos sistemas já conhecidos, que a realidade mostra
serem insuficientes para
conferir maior efetividade
aos processos em que
são aplicados.
é preciso que o CnJ –
Conselho nacional de Justiça
encontre meios de tornar
a novidade em algo
mais do que uma miragem,
ou o SnIPER será apenas
um tiro n’água, bem distante
do alvo pretendido.


Felipe Salas de Lima é advogado especializado em Recuperação Judicial e Falências

Fonte original: Jornal Hoje.com edição de 11 Janeiro de 2023

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