Medidas atípicas de execução

Dezembro 16, 2022
Rafaela Junqueira Guazzelli

Sob este prisma, a execução nada mais seria que a sanção pela jurisdição através da prática de atos materiais, o que indiscutivelmente objetiva o cumprimento de uma obrigação.

Em razão do monopólio da força pelo Estado, apenas a ele é dado impor sanções de modo institucionalizado. Em outras palavras, pode-se dizer que, como regra, a jurisdição é o meio preponderante de solução de conflitos, de sorte que a ela também cabe a aplicação de sanções como forma de impor o cumprimento de uma obrigação.

Sob este prisma, a execução nada mais seria que a sanção pela jurisdição através da prática de atos materiais, o que indiscutivelmente objetiva o cumprimento de uma obrigação.

Nesse toar, tem-se que, ao recorrer ao Estado-juiz, o litigante busca uma prestação jurisdicional justa e, muitas vezes, para que esta se implemente não basta a existência de uma decisão judicial, sendo necessária a continuidade da prestação jurisdicional a fim de obter a concretização do direito.

Tanto na fase de cumprimento de sentença quanto na ação de execução, é bastante comum que se enfrente bastante resistência pela parte vencida, e agora intitulada “executada”, por mais que exista uma sentença condenatória transitada em julgado a favor do exequente.

No intuito de conferir maior efetividade ao processo ou fase executiva, o Código de Processo Civil de 2015 conferiu ao magistrado em seu art. 139, IV 1um poder geral de aplicar medidas constritivas não convencionadas no texto legal.

O aludido dispositivo legal, em conjunto com o art. 536 do Código de Processo Civil, contempla o princípio da atipicidade dos meios executivos, que segundo Marcelo Abelha

É consagrado na regra legal de que o juiz poderá, em cada caso concreto, utilizar o meio executivo que lhe parecer mais adequado para dar, de forma justa e efetiva, a tutela jurisdicional executiva. Por isso, não estará adstrito ao juiz seguir o itinerário de meios executivos previstos pelo legislador, senão porque poderá lançar mão de medidas necessárias – e nada além disso – para realizar a norma concreta. O limite natural desse princípio é outro princípio – o do menor sacrifício possível -, que servirá de contenção à atuação da atipicidade dos meios executivos.2

Nesta senda, percebe-se que a atipicidade dos meios executivos de fato propicia ao magistrado maior liberdade para definir a medida que considera mais adequada para compelir o executado ao cumprimento da obrigação que lhe foi imposta, o que só pode ser aferido no caso concreto.

Por outro lado, este poder geral, outorgado ao juiz, é limitado pelo princípio do menor sacrifício possível, que se encontra previsto no art. 805 do Código de Processo Civil.3

Nestes termos, é dado ao juiz adotar a medida que considera necessária para compelir o executado ao cumprimento da obrigação. Entretanto, essa escolha é limitada, pois deve recair sobre o meio que, apesar de eficiente, seja o menos gravoso para o executado.

Por conseguinte, tem-que a adequação da medida executiva depende de uma estreita análise do caso concreto, a fim de apurar qual seria o meio coercitivo, suficiente e razoável, apto a incitar o cumprimento da obrigação.

No caso de medidas constritivas atípicas, especificadamente, observa-se que, apesar de não ser nova a discussão, ainda existe certa controvérsia na doutrina e jurisprudência, sobretudo sob a justificativa de prevalência “proporcionalidade” e “dignidade da pessoa humana”.4

Não obstante, não se pode ignorar que tais medidas decorrem do próprio direito à tutela jurisdicional, posto que o descumprimento da decisão judicial, além de obstar a realização do direito material, “coloca em xeque a própria credibilidade da atividade jurisdicional”.5

Neste diapasão, é de grande valia o emprego das medidas coercitivas atípicas como meio de pressão, a fim de que o devedor que atua de forma desleal revele seu patrimônio e, desta forma, torne possível a incidência de uma medida sub-rogatória.6

Sobre o tema, há julgados do STJ, que se alinham ao disposto em linhas volvidas, na medida em que admitem as medidas executivas atípicas, desde que restrinjam direitos individuais de forma razoável e de forma subsidiária, isto é, após esgotados os meios típicos de satisfação da dívida.

O STJ indica ainda que, para que as medidas executivas atípicas sejam legítimas, é necessário que a decisão seja fundamentada, a fim de demonstrar a situação de excepcionalidade, bem como sujeitas ao contraditório, evitando-se assim a configuração de uma sanção processual.7

Logo, diversas são as medidas constritivas atípicas já aplicadas em casos concretos, conforme se depreende de julgados recentes, mas algumas adquiriram maior notoriedade, tais como a retenção de CNH e de passaporte.

Frente a este contexto, é lógica a conclusão de que, apesar de todas suas restrições e possibilidades de distorção, as medidas executivas atípicas apresentam-se como um recurso verdadeiramente profícuo, pois permitem que se aplique um meio coercitivo que efetivamente force o executado a descortinar seus bens e, finalmente, concretizar o direito do exequente.


1 Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:

I – assegurar às partes igualdade de tratamento;

(…)

IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;

2 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de execução civil. 5 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 61.

3 Art. 805. Quando por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o executado.

4 Vide Agravos de Instrumento 5235698-47.2022.8.09.0051, 5570518-94.2022.8.09.0026 e 5483559-45.2022.8.09.0051 do TJGO, todos julgados em 2022. No mesmo sentido, Agravo de Instrumento 0713275-37.2022.8.07.0000 do TJDFT.

5 GAJARDONI, Fernando da Fonseca; AZEVEDO, Júlio Camargo. Um novo capítulo na história das medidas executivas atípicas. Disponível em: . Acesso em: 30 nov. 2022.

6 RODRIGUES, Marcelo Abelha. O executado cafajeste II: medida coercitiva como instrumento da medida sub-rogatória. Disponível em: . Acesso em: 30 nov. 2022.

7 É entendimento desta Corte Superior que “a adoção de meios executivos atípicos é cabível desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade” (REsp 1782418/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/04/2019, DJe 26/04/2019).

Rafaela Junqueira Guazzelli
Advogada, especialização “Ordem Jurídica e Ministério Público” na Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (FESMPDFT), especialização em Direito Processual Civil na Universidade Federal de Goiás (UFG).

Fonte Original: Medidas atípicas de execução (migalhas.com.br)

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